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Joana Alegre - Ondine
04:20
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Ondine
Joana Alegre
Criatura dos repentes
E relentos norte
Solta e volta sempre forte
Nas marés de enchio
Fecha os olhos num sorriso
De aberto embate
Vive assim eternamente
No canto da sorte
Só quer provar da água do mar
Sabor do sal na língua do ser
Como uma onda que vai e vem
A sua morada é de quem a tem
Corpo de ar e voz de espuma
Assim cantava ondine
De energia dentro afora
Se fazia ouvir
Essa melodia tão secreta e antiga
Do sagrado bem guardado
Em cada mulher
Só quer provar da água do mar
Sabor do sal na língua do ser
Como uma onda que vai e vem
A sua morada é de quem a tem
E em cada uma de nós
Ondula ondine força de onda
Repentina, gigantesca
Como a liberdade
Se algum dia numa praia
Ouvires o seu refrão
Saberás de cor cantar
A nossa canção
Tão real como o desejo de viver melhor
Quero provar da água do mar
Sabor do sal na língua do ser
Como uma onda que vai e vem
A minha morada é de quem me tem
Pede me a alma dou-te o meu mundo
Feito de riso e choro profundo
Mas tem cuidado
Dispersa em tudo
Átomo, vento, eu não me agarro
Sou grão de areia e lua cheia
Mas o que mais queria
era ser inteira
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2. |
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Cair em Mim
Joana Espadinha
Cumprimento o espelho
porque tem de ser
Visto-me a preceito
tristeza a condizer
É só mais um dia,
eu volto à alegria se quiser
Vivo num enredo
que não pude escolher
Vou p’ra cama cedo
com pressa de esquecer
É só mais um dia
mas e se agonia não ceder?
Lavo bem os olhos,
sento-me à janela,
penso no que poderei ser
Busco em pensamentos
algo que me possa aquecer
Eu vi, que tenho a vida inteira para criar
Ainda vou a tempo de sonhar
Só tenho de perder-me até cair em mim
Choro no teu ombro,
às vezes tem de ser
Ergo-me dos escombros
sou dura de roer
Hoje é o dia em que volto a ser aquilo que quiser
Será que me amas ou é porque tem de ser?
Sem equidistância eu nunca vou saber
É só mais um ano, no plano de voltar a ser mulher
Corro pela casa,
lavo bem a cara,
penso no que poderei ser
Busco em pensamentos
algo que me possa aquecer
Eu vi, que tenho a vida inteira para criar
As horas não se contam para trás
Só tenho de perder-me até cair em mim
As horas não se contam assim para trás
É preciso rasgar para ver o fim
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3. |
Marta Hugon - Calíope
03:18
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Calíope
Marta Hugon
Se no teu peito de homem
Escondes garra de poeta
Deixa que ela rasgue
A poesia mais concreta
Se escreves e as palavras
Põem sal em carne viva
Conta a tua história
Põe o dedo na ferida
E se acaso o teu desejo
Te enreda como sereia
Despe o fato apertado
Faz do corpo a tua estreia
Há vozes que não se calam
Vai e não lhes dês ouvidos
Há mil formas de ser gente
Seres dois não é castigo
Pois cada ser que cria
Se inventa como quiser
Hoje esquece o corpo estreito
Ganha forma de mulher
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4. |
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Corpo ao Manifesto
Elisa Rodrigues
Foco em mim desfoca o resto
Desfoca quem diz que não presto
Que eu nasci já a saber
O que é que vim cá fazer
E já não ouço opiniões que se acham definições
Não sou vassala de sistemas
Que mais parecem prisões
Ora sou muito nova
Muito miúda
Ora sou muito mãe, muito mulher
Tenho falta de estrada
Ou já passei do prazo
Devia ficar-me por escrever
Mas eu só não vou
Ai eu só não vou
Ai eu só não vou onde eu não quiser
Foco em mim
Desfoca o resto
Desfoca quem diz que não presto
Que eu dou o corpo ao manifesto
Enquanto eles ficam a ver
E já não ouço opiniões que se acham definições
Não obedeço a narrativas
Feitas a duas dimensões
Ora sou muito gorda
Ora estou muito magra
Não sou bem o que querias ver
Ora sou muito feia
Ora muito bonita
Há sempre maneiras de eu perder
Mas eu só não vou
Ai eu só não vou
Ai eu só não vou onde eu não quiser
Foco em mim desfoca o resto
Desfoca quem diz que não presto
Que eu não quero nem saber
Se vale mais fingir que ser
E já não ouço previsões, receitas nem direções
Não perco tempo com esquemas
Não sei caber em chavões
Ora sou muito banal
Ou pouco comercial
Não sou bem o que querias vender
Ora sou muito isto
Ora sou muito aquilo
Daquilo que bem me apetecer
E eu só não vou
Ai eu só não vou
Ai eu só não vou onde eu não quiser
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5. |
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Qual é Coisa Qual é Ela
Luísa Sobral
Qual é coisa qual é ela
Que se sente sem se ver
Qual é coisa qual é ela
Vem só a seu bel prazer
E parece vir do ar
Mas não é um avião
E desce sobre nós
Sem ser precipitação
Qual é coisa qual é ela
Que nos faz angustiar
Quando passa o tempo e ela
Teima em não querer regressar
E vem a qualquer hora
Em qualquer dia ou lugar
Há dias em que se demora
Outros que a vemos só passar
E vive em cada folha
Em cada pessoa
Em cada pôr do sol
Qual é coisa qual é ela
Que é ouvida sem falar
E um poeta ou pintor
Só o é se ela deixar
E não, não é o amor
É a razão de haver canção
Qual é coisa qual é ela
Só pode ser a inspiração
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6. |
Joana Machado - Afrodite
05:49
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Afrodite
Joana Machado
O meu sangue menstrual
Os meus seios, ancas, coxas, longos cabelos
O meu rosto liso, pés delicados
A minha boca sempre afoita e perto do meu coração
*Ficam no espelho, na gaveta, no elevador
Ficam no espelho, na gaveta, no elevador
Quando escrevo, quando canto, quando ouço
Dentro de mim orquestras, dissonâncias, ritmos tribais
A criação não me inclui
Mulher, é isenta
Sou um ser humano
Que dança escuta chora ri
Às gargalhadas, diz palavrões
E gosta do prazer
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7. |
Ana Bacalhau - Musa
05:17
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Musa
Ana Bacalhau
Ela soprava-lhe ao ouvido
as histórias que sonhava
quando a noite acabava
E esperava um carinho
só que ele ocupado ouvia
pra escrever o que sonhara
Dizia que sem os seus
preciosos cantos não
conseguia produzir
Que eram os sonhos dela
que o levavam a fazer
histórias, mas sem nunca o referir
E as histórias corriam mundo
a contar como o poeta
cortejava a sua amada
Todos lhe teciam loas
pela forma tão cuidada
como o poeta se expressava
Que nas suas vidas tristes
o melhor que acontecia
era a sua poesia
Mas enquanto isso ela
que sonhara tudo aquilo
se quedava ali sozinha
Musa, ai, musa, ai, musa
de quem é a história
Será de quem sonha
Será de quem escreve
Será de quem ama sem que nunca tenha amor
Tantos cantos sussurrou
que um dia ela pensou
se não seria capaz
De escrever ela uma história
que tivesse lá por dentro
o amor desse rapaz
Foi então que ela, musa
Por amor se levantou
E se deitou a criar
Uma música de amor
A que foi chamar canção
E que aqui vos vou cantar
Musa, ai, musa, ai, musa
De quem é a história
Será de quem sonha
Será de quem escreve
Será de quem ama sem que nunca tenha amor
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8. |
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Quem Dera a Musa Ser Eu
Aline Frazão
Quem dera à poesia dar conta desse nó,
desse “nós” dorido
Quem dera o mar enchesse o vazio
Ah, quem me dera a mim, quem me dera dar o inverso
em grego ou lingala os versos de quem fala o seu
Quem dera a musa ser eu, sereno céu austral
Da contradição nasceu quem me deu a canção,
quem me deu a canção sabe
Que é privilégio aquilo a que chamam de tacho
Que é sempre por um fio, mas nunca me encaixo
E eu canto só metade daquilo que acho
Pedaço de macho, rei de vestido
Que é um direito aquilo a que chamam progresso
E é bem menor que o mínimo que eu mereço
Que é para resistir que eu não obedeço
Não venço mas rasgo esse rio
Quem dera uma rainha para descontar nesse mal,
esse mal escondido
Quem nos dera hoje Nginga, oyo!
Ah, quem me dera ser, quem me dera dar-te a Leba
Quem dera a musa ser eu, musa de mim, usa-me sim,
que esse lugar é teu
É privilégio aquilo a que chamam brilhante
É sempre um quase, e quase sempre um breve instante
Eu canto as musas tortas que nunca merecem
Nem nunca desejaram sê-lo
Quem dá o dobro mas nunca perde o compasso
Quem se despeja inteira num mar de cansaço
É mais pesado o salto com nervos de aço
E ainda assim o voo é lindo
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9. |
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Carta a Calíope
A garota não
Já vai alta a hora
e ainda não dormi
É tanta coisa agora
não quero ir por aí
Eu não tenho nada
a provar a ninguém
Vou tão bem de escada
é teu esse desdém
Dou tudo que posso
sou só o que consigo
Morreu o que era nosso
não gritas mais comigo
Oh minha doce musa
abre-me o caminho
Que aqui quem mais abusa
é quem usa o colarinho
Subo aos Pirenéus
pra me preparar
Faço um arranha céus
e planto um pomar
Ah tanto trabalho
a sorte me dá
Alinhar a vontade
à força que há
Já vai alta a vida
e ainda mal vivi
Em contrapartida
que bom chegar aqui
E lutámos tanto
de mãe a CEO
E a dona de casa…
cansaço que somou
E não tenhas medo
não quero o teu lugar
Eu acordo cedo
mas é para sonhar
Minha doce musa
dá-me esse recomeço
Eu não estou confusa
a paz não tem preço
Subo aos Pirenéus
pra me preparar
Faço um arranha céus
e planto um pomar
Ah tanto trabalho
a sorte me dá
Alinhar a vontade
à força que há
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